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Os Sentidos Invisíveis: porque continuamos a acreditar em Aristóteles e como o cérebro moderno nos mostra que o Mundo é muito mais do que cinco portas de entrada

Há ideias que atravessam séculos inteiros com tal serenidade que quase nos esquecemos de perguntar se ainda fazem sentido. A de que temos cinco sentidos é uma dessas ideias. Todos aprendemos na escola, sem grande contestação, que o ser humano vê, ouve, cheira, saboreia e toca. A simplicidade desta lista é tão sedutora que parece quase ofensivo questioná-la. Cinco. Um número redondo, confortável, fácil de memorizar. E, no entanto, quase tudo na ciência moderna nos diz que esta visão do corpo humano é uma construção antiquada que ficou presa no tempo em que a observação a olho nu era a nossa única ferramenta de investigação. A verdade é que a ideia dos cinco sentidos nunca foi mais do que uma classificação intuitiva feita numa época em que não existia microscopia, eletrofisiologia, imagiologia cerebral, psicofísica ou qualquer forma de medir aquilo que realmente se passa dentro da pequena "caixa negra" que é o nosso crânio. Usamos esta caixa todos os dias, embora não possamos...

Christine Tappolet e a “Teoria Receptiva das Emoções”: entre a percepção do valor e a construção da experiência / Christine Tappolet and the “Receptive Theory of Emotions”: between the perception of value and the construction of experience

(Versão em Português) 1. Contexto e enquadramento Christine Tappolet é uma das principais representantes do perceptualismo avaliativo, corrente que entende as emoções como uma forma de percepção de valores. A sua obra Philosophy of Emotion: A Contemporary Introduction (Routledge, 2022) traça o mapa das principais teorias filosóficas das emoções, e o artigo The Receptive Theory: A New Theory of Emotions ( Philosophies , 2023) representa a tentativa de aperfeiçoar e consolidar o seu próprio modelo teórico. Com esta “teoria receptiva”, Tappolet procura oferecer uma via intermédia entre dois polos que dominam o debate contemporâneo: por um lado, o universalismo biológico das emoções básicas (Ekman); por outro, o construcionismo psicológico de Lisa Feldman Barrett. A autora rejeita tanto a ideia de que as emoções são programas biológicos fixos como a noção de que são meras construções conceptuais e culturais. Em alternativa, propõe que as emoções sejam representações analógicas, não co...

O Cérebro Preditivo e a Ilusão do Agora: A Lição que Revoluciona o Livre-Arbítrio / The Predictive Brain and the Illusion of Now: The Lesson That Revolutionizes Free Will

 (Versão em Portugês) Lisa Feldman Barrett — a cientista que ensinou os tribunais a pensar o sentir Lisa Feldman Barrett é uma das mais influentes neurocientistas e psicólogas cognitivas do mundo contemporâneo. Professora da Northeastern University, investigadora do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, é membro da  National Academy of Sciences  dos Estados Unidos e autora de mais de 250 artigos científicos citados dezenas de milhares de vezes - um número que a coloca entre o 1% de cientistas mais citados globalmente. O seu trabalho influenciou decisivamente não apenas a neurociência, mas também o direito, a psicologia forense e a filosofia da mente. Em tribunais federais norte-americanos, o seu nome surge com frequência nas notas de rodapé de juízes e pareceres amicus curiae, em particular quando estão em causa a fiabilidade dos testemunhos emocionais, a avaliação de comportamentos impulsivos e a fronteira entre emoção e racionalidade na imputação p...

Portugal, o País do Respeitinho: Quando a Crítica É Crime

  “Em democracia, o poder não é para ser reverenciado, é para ser escrutinado.” I. A ironia da democracia punitiva Portugal continua a ser apontado como um dos países mais seguros e pacíficos do mundo. Mas no domínio da liberdade de expressão , o retrato é bem menos idílico. Segundo os dados oficiais do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) , o país encontra-se entre os dez Estados mais condenados da Europa por violar o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos , que protege o direito à liberdade de expressão. E há um padrão inquietante: as condenações portuguesas dizem demasiadas vezes respeito a críticas dirigidas a magistrados, procuradores ou instituições da Justiça . Ou seja, àqueles que, num Estado de Direito, deveriam ser os primeiros a aceitar o escrutínio público. II. Os números que envergonham uma democracia De acordo com os dados oficiais do TEDH compilados até 2025: Portugal ocupa o 8.º lugar no ranking europeu de violações do artigo 1...

O Cérebro Ideológico - quando a rigidez mental se torna crença - uma síntese crítica à obra de Leor Zmigrod (2025)

  Leor Zmigrod: da cognição à ideologia Leor Zmigrod é neurocientista e investigadora da Universidade de Cambridge. Estuda há mais de uma década a relação entre flexibilidade cognitiva, neurociência da ameaça e ideologias políticas . Os seus trabalhos têm sido publicados em revistas científicas de referência e integrados em relatórios sobre extremismo e polarização social. Em O Cérebro Ideológico (The Ideological Brain), Zmigrod sintetiza esse percurso de investigação e propõe uma ideia provocadora: a ideologia é menos uma questão de conteúdo e mais um estilo de pensamento . “Não é o que acreditamos que importa, mas como acreditamos.” A tese central é clara e sustentada: pessoas com menor flexibilidade cognitiva e maior intolerância à ambiguidade tendem a aderir mais facilmente a visões do mundo dogmáticas e dicotómicas, sejam políticas, religiosas ou morais. A ideologia, nesse sentido, é o espelho de um cérebro que prefere certezas . O livro baseia-se numa série notável de...

O Juiz e o Cérebro Preditivo: da Inteligência Emocional à Emoção Construída

“ A emoção não é uma reação, é uma construção. ” -  Lisa Feldman Barrett “ Cérebro e mente são inseparáveis: pensar e sentir são redes entrelaçadas. ” -  Luiz Pessoa “ Um juiz emocionalmente inteligente não é o que não sente, mas o que sabe o que sente. ” -  Terry A. Maroney “ Não somos seres racionais que sentem, mas seres emocionais que pensam. ” -  António Damásio I. Da inteligência emocional à neurociência do julgar Durante décadas, a “inteligência emocional” foi o conceito preferido para abordar a relação entre emoção e decisão. Terry Maroney , professora de Direito e investigadora em Vanderbilt, cristalizou essa ponte em The Emotionally Intelligent Judge , defendendo que a imparcialidade não se constrói contra a emoção, mas através da sua gestão consciente . Contudo, a ciência cognitiva deu um passo além. O que antes era um problema de self-control é hoje entendido, à luz da Theory of Constructed Emotion (Barrett) e do modelo do cérebro preditivo (...

O Cérebro que Julga Sentindo: Como Lisa Feldman Barrett Reconstruiu as Emoções e Desafiou os Tribunais em How Emotions Are Made

Lisa Feldman Barrett — a cientista que ensinou os tribunais a pensar o sentir Lisa Feldman Barrett é uma das mais influentes neurocientistas e psicólogas cognitivas do mundo contemporâneo. Professora da Northeastern University, investigadora do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, é membro da National Academy of Sciences dos Estados Unidos e autora de mais de 250 artigos científicos citados dezenas de milhares de vezes - um número que a coloca entre o 1% de cientistas mais citados globalmente. O seu trabalho influenciou decisivamente não apenas a neurociência, mas também o direito, a psicologia forense e a filosofia da mente. Em tribunais federais norte-americanos, o seu nome surge com frequência nas notas de rodapé de juízes e pareceres amicus curiae, em particular quando estão em causa a fiabilidade dos testemunhos emocionais, a avaliação de comportamentos impulsivos e a fronteira entre emoção e racionalidade na imputação penal. Juízes como Jed S. Rakoff - ...