Liberdade de expressão e Covid-19
O texto que se segue foi enviado para um órgão de comunicação social, onde já tinha publicado outros textos de opinião, como proposta de artigo, no dia 18 de Julho de 2021. Nunca recebi resposta e o texto nunca foi publicado.
«Afinal quantas são as mortes por Covid-19 e como é aferida e registada a causa de morte?
De
acordo com a informação prestada pelo site Worldometers (https://www.worldometers.info/coronavirus/country/portugal/), que
por sua vez recolhe informação dos relatórios de situação diários da DGS (v.g. https://covid19.min-saude.pt/wp-content/uploads/2021/07/508_DGS_boletim_20210723.pdf), no
dia 18.04.2021 Portugal registava 16.945 mortes por Covid-19.
Não
obstante, começou a circular na internet uma sentença do Tribunal
Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa de 19.05.2021, Proc. n.º 525/21.4BELSB,
em que o Ministério da Saúde / DGS figura como entidade Requerida, onde, além
do mais, consta que este último prestou a seguinte informação:
Entre 2020 e 2021 foram
emitidos 152 certificados de óbito pelos médicos que trabalham para a tutela Ministério da
Justiça (INMLCF) cuja causa básica de
morte foi devido a COVID 19 de acordo com a seguinte distribuição:
Dos 152 certificados de óbito,
132 óbitos a causa básica foi U071 (COVID 19-vírus identificado) e 20 óbitos a
causa básica foi U072 (COVID 19-não identificado
laboratorialmente).
Dos 152 certificados de óbito,
a 148 óbitos foi dispensada autópsia, sendo
que 129 óbitos a causa básica de morte foi U071 e 19 óbitos a causa
básica de morte foi U072.
Dos 152 óbitos, a 4 óbitos não
foi dispensada autópsia, sendo que 3 óbitos a causa básica de morte foi U071 e 1 óbito a
causa básica foi UO72”».
Rapidamente
a informação supra mencionada “viralizou”, apenas tendo sido esquecida
após um fact check realizado no programa a Hora da Verdade da TVI de 25.06.2021
com a conclusão de “enganador”, porquanto, de acordo com a informação prestada pela
DGS tais números seriam apenas dos “médicos
que trabalham para a tutela Ministério da Justiça (INMLCF), mas que não
são os únicos que validam a causa de morte por Covid-19 (…) todos os
outros profissionais de saúde trabalham assim sob a tutela do Ministério da
Saúde e foram responsáveis por certificar 17.077 mortos por Covid-19 até
23.06.2021” https://tvi24.iol.pt/videos/sociedade/hora-da-verdade-mortes-oficiais-por-covid-19-em-portugal-nao-ultrapassam-as-152/60d63cfa0cf29ea8605a3e61.
Ora,
o SICO (Sistema de Informação dos Certificados de Óbito) https://evm.min-saude.pt/, que
é de utilização obrigatória, foi aprovado pela Lei n.º 15/2012, de 03.04, cuja
finalidade é permitir uma articulação das entidades envolvidas no processo de
certificação dos óbitos, com vista a promover uma adequada utilização dos
recursos, a melhoria da qualidade e do rigor da informação e a rapidez de
acesso aos dados em condições de segurança e no respeito pela privacidade dos
cidadãos.
Conforme
resulta da aludida Lei, o SICO tem como objetivos a desmaterialização dos
certificados de óbito, o tratamento estatístico das causas de morte, a actualização
da base de dados de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do
correspondente número de identificação atribuído no âmbito do registo nacional
de utentes (RNU), bem como a emissão e a transmissão eletrónica dos
certificados de óbito para efeitos de elaboração dos assentos de óbito.
De
acordo com o art.º 5 do mesmo diploma legal, o Diretor-Geral da Saúde é a
entidade responsável pelo tratamento da base de dados do SICO, nos termos e
para os efeitos definidos na alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de
outubro, sem prejuízo da responsabilidade dos médicos que introduzem os dados
recolhidos.
Logo
de seguida o art.º 6 estipula que são recolhidos para tratamento automatizado
os dados que, nos termos da lei, integram o certificado de óbito, acrescido do
número de utente do SNS, quando exista (o que não acontecerá por exemplo, no
caso de cidadão estrangeiros, residentes ou não em território português, mas
que não se encontrem registados no SNS), os dados constantes no boletim de
informação clínica, quando emitido nos termos da lei, os dados registados
informaticamente pelas equipas de emergência do Instituto Nacional de
Emergência Médica, I. P. (INEM, I. P.), os dados resultantes de autópsia
clínica, sempre que tenha lugar, assim como os dados resultantes de autópsia
médico-legal ou de perícia médico-legal a ela associada, sempre que tenha
lugar, mediante autorização prévia da autoridade judiciária competente nos
termos do artigo 16.º e apenas no que diz respeito à causa de morte, sendo que
o SICO disponibiliza os formulários eletrónicos adequados à introdução dos
dados a que se refere o número anterior, cujo modelo é aprovado por portaria
dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da saúde.
Diz-nos
o art.º 7.º do mesmo compêndio normativo, que os dados constantes do SICO
resultam do tratamento realizado pelos médicos, pelo Instituto dos Registos e
do Notariado, I. P. (IRN, I. P.), pelo ACSS, I. P., pela DGS, pelo INEM, I.P.,
pelo INML, I.P., pelo Ministério Público e pelas Autoridades de polícia.
O
SICO articula-se com a base de dados de identificação civil, com o Sistema
Integrado de Registo e Identificação Civil, com o RNU, com o Sistema de
Informações da Segurança Social e com o Sistema de Informações da Caixa Geral
de Aposentações, devendo garantir as condições necessárias que não permitam a
consulta, a modificação, a supressão, o acréscimo ou a comunicação de dados por
quem não esteja legalmente habilitado para o efeito, por um período de 20 anos,
ficando registadas as pesquisas efetuadas pelos médicos e pelas entidades com
acesso ao SICO.
Nos
termos da Lei, os dados constantes do certificado de óbito podem ser
disponibilizados pelo Diretor-Geral da Saúde às entidades do Ministério da
Saúde responsáveis pela vigilância epidemiológica.
Caberá
ao médico preencher o certificado de óbito, por via eletrónica, nos termos e
condições fixados no respetivo formulário do SICO, incluindo os dados pessoais
e, quando exista, o número de utente do SNS da pessoa falecida, para efeitos de
atualização do RNU, sendo estes posteriormente transmitidos eletronicamente ao
IRN, I. P., para efeitos de declaração e assento de óbito, ficando o médico,
que não cumprir tal dever, sujeito a infracção disciplinar (salvo nos casos em
que demonstre ser impossível aceder ao SICO).
As
eventuais inexatidões ou omissões detetadas no certificado de óbito são rectificadas
pelo médico certificador (ou por outro caso não seja possível contactá-lo ou no
caso de autópsia médico-legal) e automaticamente enviadas por via eletrónica às
entidades competentes.
Sempre
que existam indícios de morte violenta, suspeitas de crime, declarando o médico
ignorar a causa da morte ou tendo o óbito ocorrido há mais de um ano, a
informação registada no SICO, é transmitida eletronicamente ao Ministério
Público (cf. art.º 16.º da já mencionada Lei n.º 15/2012, de 03.04).
A
propósito de certificado de óbito, diz-nos a Portaria n.º 334/2012, de 23.10,
que ainda não sofreu alterações, que em termos de causa de morte, deverão
constar do respectivo certificado, entre outros, o encadeamento de doenças ou
afeções mórbidas que provocaram o falecimento, os outros estados mórbidos,
fatores ou estados fisiológicos que contribuíram para o falecimento, mas não foram
a sua causa, a data, hora e local do óbito.
Acresce
que, tal como resulta da Orientação número 020/2013 da DGS (e da Lei), de 31.12.2013,
“a utilização do SICO para a emissão de certificado de óbito é obrigatória
para os óbitos ocorridos a partir das 0h do dia 1 de Janeiro de 2014, ao abrigo
do Despacho no 13788/2013 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde”
https://nocs.pt/certificado-de-obito-eletronico-utilizacao-do-sistema-de-informacao-dos-certificados-de-obito-sico/.
Do
acima exposto parece resultar que, a utilização do SICO através da emissão do
certificado de óbito electrónico é obrigatória para todos os médicos, independentemente
da tutela a que pertençam (e não apenas para os sob a tutela do Ministério da
Justiça conforme por lapso conta do pretenso fact check realizado pela TVI em
25.06.2021), só assim não ocorrendo quando o SICO estiver indisponível e desde
que devidamente fundamentado, sendo o certificado de óbito o documento onde
fica registada a causa de morte.
Voltando
ao Proc. n.º 525/21.4BELSB do TAC de Lisboa, é aí possível constatar que tendo
sido solicitada à DGS a informação sobre o número de mortes em Portugal, desde
o início da declarada pandemia, causadas por infecção SARS-Cov2, tendo a causa
da morte sido objectiva e legalmente aferida por via de autópsia aos cadáveres,
bem como o número de mortes em Portugal, desde o início da declarada pandemia,
causadas por infecção SARS-Cov2, tendo a causa da morte sido unicamente aferida
por via do teste PCR, a Senhora Directora-Geral da Saúde informa por e-mail de
19.04.2021 pelas 12:49 que:
«Após
análise da base réplica do SICO desde 01-01-2020 até 18.04.2021, conseguimos
apurar até ao momento as seguintes distribuições:
Entre
2020 e 2021 foram emitidos 152 certificados de óbito pelos médicos que trabalham para a tutela Ministério da
Justiça (INMLCF) cuja causa básica de
morte foi devido a COVID 19 de acordo com a seguinte distribuição:
Dos
152 certificados de óbito, 132 óbitos a causa básica foi U071 (COVID 19-vírus
identificado) e 20 óbitos a causa básica foi U072 (COVID 19-não identificado laboratorialmente).
Dos
152 certificados de óbito, a 148 óbitos foi dispensada autópsia, sendo que 129 óbitos a causa básica de morte foi
U071 e 19 óbitos a causa básica de morte foi U072.
Dos
152 óbitos, a 4 óbitos não foi dispensada autópsia, sendo que 3 óbitos a causa básica de morte foi U071 e 1 óbito a
causa básica foi UO72”».
Acresce
que, já no dia 14.04.2021 pelas 15:39 a Senhora Directora-Geral da Saúde tinha
manifestado concordância com informação interna, da mesma data, onde, além do
mais, consta no seu ponto 13 o seguinte:
«Importa
referir, que a DGS não dispõe dos elementos estatísticos requeridos nas alíneas
l) e m) dos autos em análise, atento a que se trata do número de óbitos causados
por infeção SARS-COV2, tendo a causa de morte sido aferida por via da autópsia
aos cadáveres ou por via do teste PCR, conforme se conclui na reunião com os
Senhores Diretores de Serviço, das Direções identificadas».
Relembro
que, de acordo com o art.º 5.º da Lei n.º 15/2012, de 03.04, o Diretor-Geral da
Saúde é a entidade responsável pelo tratamento da base de dados do SICO, pelo
que se a DGS não dispõe dos elementos estatísticos acima referidos é porque ou
estes não existem para além dos 152 já citados, ou os médicos que certificaram
até ao dia 18.04.2021 as restantes 16.793 (16.945 – 152 = 16.793), mas que não
acederam à plataforma SICO terão que ser responsabilizados disciplinarmente, ou
esta plataforma tem estado estranhamente inacessível para essas 16.793 mortes por
Covid-19 (nem vislumbro qualquer razão válida para as mortes por Covid-19 não
constarem de certificados de óbito e do SICO e estarem a ter outro tipo de
tratamento estatístico), uma vez que se encontra acessível para as outras
causas, ou haverá de certo outra explicação, porque não pondero a possibilidade
de estarmos todos a assistir a uma enorme fraude relativa às mortes por
Covid-19, em que a sua atribuição não teria qualquer base científica mas apenas
como que um acto de fé quanto à sua causa de morte.
Certo
é que, pelo menos até que este tema seja cabalmente esclarecido pela tutela,
leia-se Ministério da Saúde, e ao contrário do apurado pelos Senhores
jornalistas da TVI no dia 25.06.2021, a informação que circulava na internet
não era enganadora mas sim verídica, bastava terem consultado a lei e não só
terem feito um contraditório directo à entidade visada.
Reitero,
não tenho dúvidas que existirá explicação para o SICO (que é de utilização
obrigatória) não estar a ser utilizado pelos médicos e entidades competentes
para o registo electrónico do certificado de óbito e respectiva causa de morte
nos mortos por Covid-19, mas é necessário e urgente (dada a gravidade do tema) que
tal esclarecimento seja o mais brevemente possível prestado pelo Ministério da
Saúde / DGS, sob pena de todos termos que concluir que as medidas de combate à
Covid-19 não passam de meros actos políticos sem qualquer base científica.»
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