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A mostrar mensagens de setembro, 2025

Eles pensaram que eram livres - Milton Mayer e a normalização do inaceitável

  Milton Mayer, jornalista americano, viveu em 1953–54 numa pequena cidade alemã (que disfarçou como Kronenberg ) e conversou longamente com dez homens comuns que tinham sido membros do partido nazi. Daí nasceu o livro They Thought They Were Free: The Germans 1933–1945 , publicado em 1955 e ainda hoje perturbador. Não eram fanáticos nem grandes criminosos. Eram homens de classe média-baixa — funcionários, técnicos, lojistas, professores. Quase todos se viam como “bons cidadãos” que simplesmente seguiram o fluxo da história. Passos pequenos, plausíveis, fatais “O que aconteceu aqui foi a habituação gradual das pessoas, passo a passo. Cada passo foi pequeno, plausível — e um dia estava acima da sua cabeça.” Mayer mostra como o totalitarismo não cai do céu; infiltra-se devagar. Pequenos decretos, rotinas de partido, rituais de pertença. Nada parecia dramático por si só. Mas a soma tornava o inaceitável normal. O autoengano moral Os entrevistados viam-se como corretos, hones...

Como Funciona o Fascismo — Jason Stanley em síntese crítica

Em Como Funciona o Fascismo (2018), Jason Stanley, filósofo em Yale e filho de sobreviventes do Holocausto, descreve o fascismo não como uma relíquia do passado, mas como um conjunto de estratégias que podem regressar sob novas roupagens. O seu alerta é simples: não é preciso haver campos de concentração para que a política fascista corroa uma democracia; basta que certas ideias e retóricas se normalizem, uma após a outra, até que o intolerável se torne hábito. O livro organiza-se em dez pilares. Cada um representa uma engrenagem dessa máquina política. Separados, parecem inofensivos. Em conjunto, constroem um projeto capaz de redefinir a verdade, a justiça e a própria noção de cidadania. O Passado Mítico A política fascista ergue-se sempre sobre a promessa de restaurar uma idade de ouro perdida, um tempo imaginário de grandeza nacional, moralidade e pureza. Essa memória nunca corresponde à realidade histórica, mas funciona como bússola emocional. A nostalgia seletiva dá força ao...

O Eterno Retorno do Fascismo — Síntese crítica da obra de Rob Riemen

Rob Riemen, ensaísta holandês e diretor do Nexus Institute, publicou em 2010 O Eterno Retorno do Fascismo , um texto breve mas contundente que se tornou referência na reflexão sobre os perigos da degradação democrática e da ascensão de novos autoritarismos. A obra parte de uma tese simples mas perturbadora: o fascismo não é um fenómeno do passado, sepultado em 1945; é uma pulsão recorrente da vida política e social que reaparece sempre que a democracia liberal se esquece dos seus próprios fundamentos. O que é, afinal, o fascismo? Riemen recusa ver o fascismo como mera ideologia programática. Para ele, é sobretudo uma atitude espiritual e cultural, enraizada no ressentimento, na mediocridade e na recusa da vida intelectual. Não é necessário que surjam camisas negras nas ruas para que o fascismo se reinstale: basta que a política se torne espetáculo, que as massas sejam seduzidas por líderes carismáticos que oferecem respostas simples para problemas complexos, e que a cultura se rend...

O Nacional-Socialismo como Doutrina do Ressentimento - Menno ter Braak (1937)

  Nota introdutória Menno ter Braak (1902–1940) foi um dos mais influentes ensaístas e críticos literários holandeses do período entre guerras. Conhecido pela sua prosa incisiva e pela recusa em pactuar com qualquer forma de dogmatismo, ter Braak tornou-se uma das vozes mais lúcidas contra a ascensão do fascismo na Europa. Suicidou-se em maio de 1940, na véspera da capitulação da Holanda perante a Alemanha nazi — um gesto interpretado por muitos como recusa em viver sob a ocupação. O ensaio que aqui se publica, Het nationaalsocialisme als rancuneleer (1937), mostra bem a clareza da sua análise. Nele, ter Braak parte da ideia de que o nazismo não é apenas um movimento de “fracassados” (como dizia ironicamente um diplomata citado), mas a expressão política extrema de uma força omnipresente nas sociedades democráticas: o ressentimento. Inspirado por Max Scheler, o autor descreve como o ressentimento — alimentado pela promessa de igualdade e pela incapacidade de aceitar desigualdad...