Quem é Fascista — Emilio Gentile: Desmistificando um termo (e um perigo)
O autor: Emilio Gentile
Emilio Gentile nasceu em Bojano, Itália, em 1946, e é uma das vozes mais respeitadas no estudo do fascismo e da cultura política italiana. Durante muitos anos foi professor na Universidade La Sapienza, em Roma, e é hoje professor emérito.
Reconhecido internacionalmente, Gentile ficou associado à ideia de que o fascismo se constituiu como uma “religião política” — um sistema de símbolos, rituais e mitos que transformaram a política em experiência coletiva de fé.
“O fascismo não é apenas uma ditadura ou um autoritarismo, mas uma tentativa revolucionária de criar um homem novo e um Estado total.”
A obra: “Quem é Fascista”
Publicado em Portugal pela Guerra & Paz em 2019, Quem é Fascista surge como resposta ao uso abusivo e indiscriminado do termo.
Para Gentile, fascismo não é um insulto político nem um rótulo para tudo o que é populista ou iliberal. É um fenómeno histórico concreto, com contornos específicos, cuja banalização prejudica a análise do presente.
Os traços definidores do fascismo
Gentile propõe uma grelha exigente de elementos que, em conjunto, configuram o fascismo:
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Nacionalismo integral com promessa de renascimento nacional.
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Anti-liberalismo e anti-marxismo.
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Partido-milícia, assente na violência organizada.
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Culto carismático do chefe.
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Mito do “homem novo” disciplinado e viril.
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Mobilização permanente das massas em rituais coletivos.
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Projeto de Estado totalizante.
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Economia dirigida em forma de corporativismo.
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Militarização da política e culto da guerra.
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Racismo e biologismo (opcional, mas central no nazismo).
O que não é fascismo
Segundo Gentile, regimes como o salazarismo ou o franquismo foram ditaduras conservadoras e tradicionalistas — autoritarismos que podiam “fascistizar-se” em certos traços, mas que não cumpriram o programa revolucionário-totalitário.
Do mesmo modo, populismos atuais, mesmo quando corroem instituições, não são fascismo se não houver partido-milícia, violência organizada e projeto de Estado único.
“Confundir populismo com fascismo é perder de vista o perigo real: o momento em que o autoritarismo dá o salto para a mobilização violenta e totalitária.”
Forças e limites do livro
A força do livro está no rigor conceitual e na recusa do anacronismo. Gentile oferece critérios claros para não confundirmos líderes plebiscitários ou democracias iliberais com fascismo.
O limite está no risco de subdiagnóstico: ao insistir na matriz histórica, pode não captar plenamente as mutações digitais e tecnopolíticas do século XXI.
Porque continua atual
Gentile não nega a existência de neofascismos contemporâneos, mas lembra que estes só se tornam fascismo de regime se conquistarem o Estado e completarem o programa totalizante.
A sua grelha exige que nos perguntemos, diante de qualquer caso:
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Existe partido-milícia tolerado ou apoiado pelo Estado?
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A lei subordina-se à vontade de um chefe?
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Há projeto explícito de partido único e mobilização litúrgica de massas?
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Observa-se militarização da política e expansionismo como destino?
Sem estas condições, estamos perante autoritarismo ou erosão democrática — perigosos, mas distintos do fascismo histórico.
Nota final e ligação à obra
Quem é Fascista é um pequeno ensaio, mas essencial para recuperar a precisão conceptual e resistir à tentação de usar “fascismo” como insulto genérico.
É também um alerta: antes de colar rótulos, convém testar se os elementos fundamentais estão de facto presentes.
Referência: Emilio Gentile, Quem é Fascista, tradução de Mário Matos, Guerra & Paz, 2019
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