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A mostrar mensagens de agosto, 2024

Diogo Freitas do Amaral – “O Excesso de Poderes do Ministério Público em Portugal”

  “1. Exposta, noutro local, a nossa visão genérica sobre «a crise da justiça em Portugal», abordamos hoje aqui um aspecto específico dessa crise – precisamente, aquilo que julgamos ser «o excesso de poderes do Ministério Público». 2. Começaremos por enunciar os pontos essenciais da concepção tradicional do Ministério Público. Em primeiro lugar, o Ministério Público não era olhado como um elemento do poder judicial , mas antes como um departamento do poder executivo , hierarquicamente subordinado ao governo. Em segundo lugar, e como consequência disso, os membros do Ministério Público não eram considerados como magistrados , equiparados em tudo (ou quase tudo) aos juízes ou magistrados judiciais, mas sim como agentes administrativos e, portanto, equiparados no essencial aos funcionários públicos. Em terceiro lugar, o Ministério Público não ocupava um lugar destacado no organograma do sistema judicial: as Constituições monárquicas não se lhe referiam, a Constituição republ...

Maria de Fátima Mata-Mouros – “A Independência dos Juízes perante o Ministério Público”

  “ I. A independência dos tribunais, requisito da função judicial Que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei é hoje um dado adquirido, tão adquirido que, para uma parte considerável dos portugueses, «a independência dos juízes não é incluída entre as qualidades responsáveis pelo bom desempenho da função judicial». «Contudo, a minar a credibilidade desta interpretação está o facto perturbador de 17,3% dos inquiridos serem de opinião que o juiz é um representante do Ministério da Justiça». A nossa Constituição consagra a independência judicial no seu art. 206.º, à semelhança das Constituições de todas as democracias ocidentais. Trata-se, com efeito, de uma das regras clássicas do Estado constitucional e uma das garantias essenciais do Estado de Direito democrático. Na verdade, a independência não pode ser considerada um valor em si mesma. Configura, antes, um instrumento ao serviço da salvaguarda de outros valores: a defesa dos direitos e interesses leg...

Michelle Gironda Cabrera – “O Inconsciente Inquisitório no Processo Penal Brasileiro”

  “ 1. Inconsciente Inquisitório e Autoritarismo Paolo Cappellini iniciou a intervenção oral do quadro das celebrações do décimo aniversário de fundação da Università degli studi di Milano-Bicocca manifestando o profundo respeito e o temor reverencial por ser chamado a tomar a palavra imediatamente após a intervenção introdutória do pai do Código de Processo Penal da República, Giuliano Vassalli. “Hoje, ao contrário”, disse ele, na ocasião, “infelizmente, não posso deixar de acenar ao véu de tristeza após a sua morte em 21 de outubro de 2009, na recordação do ressoar das suas palavras e de um encontro pessoal que não nos será mais concedido repetir”. Tendo restado, como conforto, seu magistério científico, Cappellini adverte ser possível extrair, da leitura atenta dos textos de Giuliano Vassalli, uma indicação que convida a não se deixar levar por “uma visão demasiado otimista da democracia”. A advertência parece ressoar como antevisão do estado de coisas autoritário e inconst...

Rubens R. R. Casara – “Processo Penal do Espetáculo”

  “A partir da constatação das atuais condições   de produção, Guy Debord percebeu que toda a vida das sociedades “se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”. Hoje, ser-no-mundo é atuar, representar um papel como condição para ser percebido. Busca-se, com isso, fugir da sensação de invisibilidade e insignificância, uma vez que ser é ser percebido (nesse sentido, por todos, T ÜRCKE). Sabe-se que o espetáculo é uma construção social, uma relação intersubjectiva mediada por sensações, em especial produzidas por imagens e, por vezes, vinculadas a um enredo. O espetáculo tornou-se também um regulador das expectativas sociais, na medida em que as imagens produzidas e o enredo desenvolvido passam a condicionar as relações humanas: as pessoas (que são os consumidores do espetáculo e exercem a dupla função de atuar e assistir), influenciam no desenvolvimento e são influenciadas pelo espetáculo. Em meio aos...

Elmir Duclerc – “Uma Crítica ao Chamado Princípio da Verdade Real”

  “Muitos autores ainda insistem em incluir dentre os princípios do processo penal o chamado princípio da verdade real , entendido como uma exigência de que a atividade instrutória esteja voltada a descobrir o que efetivamente aconteceu, ao contrário do que ocorre com o processo civil, regido, no particular, pelo princípio da verdade formal – segundo o qual o juiz está autorizado a utilizar uma série de mecanismos para chegar a uma versão conclusiva sobre os fatos que não corresponda, necessariamente, à verdade objectiva. O problema é que essa ideia de verdade real , embora tão arraigada na nossa cultura processual penal, enfrenta dificuldades insuperáveis. No plano normativo, percebe-se que não há, no ordenamento jurídico, nenhum dispositivo que lhe dê guarida de forma expressa, tampouco é possível concluir sobre sua existência a partir de qualquer interpretação sistemática e dedutiva do direito posto. Muito ao contrário, e o que é pior, o conceito de verdade real tem sido ...